• A ESSÊNCIA DO CAOS

    "Revoluções ambíguas são revoluções fracas".

  • Por favor, leve-me cigarros

    A voz solitária gritava aos quatro ventos, ninguém ouvia. Mas eu escuto a sua voz. Você fala que está cansado desse mundo miserável, mas não só. O ápice da vida aconteceu no instante passado, a vida aconteceu lá atrás onde as mãos estavam protegidas por mãos maiores, onde havia conforto.

    Não há, não há o belo se olhares com os olhos murmurados, não há, não há perfumes nas flores, há fuligem, há fumaça, há dor.

    Você caminha na multidão, você sofre, você sangra. Eu caminho no sentido oposto, me afasto em pequenos pedaços, mesmo assim te sinto e te vejo.

    A canção parou, não há mais glória, a ordem e o progresso são as prisões dos fulgidos e, de fato, temos uma igualdade penhorada.

    Um estado laico que roga a proteção de deus e seu pleníssimo eleitorado aplaude, como quem vomita e far-se-á que se comam do chão.

    Um povo que aguenta pancada, por medo e comodismo, tendo suas faces escarradas a plenos pulmões de quem dita e faz chacota, coitados, oprimidos e felizes.

    Ó pátria amada dos filhos sem mães, amedrontados e com os pés em barros de um chão que não lhes pertence, de uma terra de débeis, filhos da própria sorte rastejante e adormecida.

    Com os verdes-louros dessa flâmula escondidos dentro das calças dos que corrompem, dos vermes que ditam e desditam a seu bel prazer, dos que profanam as ordinárias, dos que submetem ao erro e a perdição do que eles próprios criam e procriam.

    Os braços fortes não são os de fome, pois os seios secaram há muito tempo pra esses, vamos derrubar o gigante, vamos em praça pública. Mas só se for pra tudo ou nada.

    Os degenerados grandes, os prosaicos líricos no falido e descompensado, como esse sem nexo, concordância e arranjo. O vomito.

    Eu te escuto ainda, mesmo tão longe... se puder me ouvir, leve cigarros. A moeda de troca de quem precisa sobreviver, se der.

     

     

    E grite, grite o mais alto que puder, assim saberei que ainda estará lá, firme. Continue gritando.

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    O ABISMO ENTRE NÓS

     

     

    Entre nesse barco desconexo, viajemos por esse mundo tresloucado, nesse imenso paradoxo de vômitos e desesperos contrastando com a quimera lírica derramada em sensatez insana, esperneando birras de opiniões coléricas e deflagadas, que não fazem sentido algum, que nunca fará. Eu sei, eu sei, está tudo uma merda, olho pro lado e vejo mais um moribundo cantante com um sorriso besta nos lábios, sem razão.

    E sim, tudo em volta é uma merda...

    Mas aí surge o tal paradoxo da vida, esqueço por um instante e olho pro espelho, vejo você nos meus olhos e o sorriso bobo está agora em meus lábios, mas a razão é tão simples.

    E eu lembro do seu último sorriso, pensei que fosse de alegria, mas era de partida. Talvez você fosse tão triste quanto eu, girando sempre ao contrário com suas lágrimas indefinidas. E eu sei que eu preciso de você quando me perco de mim... da sua loucura lúcida de fato, não a desses mortos rasos.

    Do caos que acalma e do seu descontentamento com o mundo. Da sua perseguição desenfreada, da sua paixão rebelde pelo combate a tudo que se faz metade, do desigual, do torto. Do risco de explodir a mente por pensar demais. Das suas verdades, tão suas, tão você, tão reais. Pra me lembrar quem sou...

    É o rosto que busco na multidão, a canção que preciso ouvir, só pra não esquecer. É o coração que escuta o meu, é a mente que entende a minha e é o sonho que cabe no meu sonho.

    E sim, está tudo uma merda, mas hoje o dia amanheceu iluminado, pois você está no mundo.

    E entre nesse barco desconexo, viajemos por esse mundo tresloucado, nesse imenso paradoxo de vômitos e desesperos contrastando com a quimera lírica derramada em sensatez insana, do abismo que não vejo, estou olhando pra você...

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    A DANÇA DOS TEMPOS

     

    Ela vinha, com remelas nos olhos e um vestido branco sujo, da poeira, da fumaça. Os pés descalços e feridos, igualmente sujos. Trazia os cabelos compridos trançados com as pontas soltas e as unhas ruidas até a carne, podia se ver o pus amarelo nos cantos de algumas delas.

    Ele vinha da outra direção, trajava uma calça em farrapos e um chapéu, desses de pano. Os sorrisos em seus lábios se notavam de longe, os dois sorriam um para o outro.

    Na praça central havia um protesto, desses dos quais se torcem os narizes e se arrota que não dará em nada, com a derrota estalada de quem se acostumou a baixar a cabeça e aceitar receber os supositórios da alienação.

    Um grupo de professores pedindo equiparação salarial, enquanto os porcos sentados em seus gabinetes engordam em detrimento de um povo sem memória e condenado ao absoluto comodismo.

    Do outro lado há um grupo de amigos bebendo num bar, enquanto comemoram mais um gol do seu time, assistindo na imensa tela de transmissão.

    Os professores continuam, gritam palavras de ordem, “fora esse e fora aquele”, enquanto outro grupo submisso as desmandas os agridem, os humilham e os subjugam, malditos sejam todos.

    A merda proclamada no dia 15 e a barriga da fome chora seus defuntos podres, as cabeças grudadas ao chão, o sangue escorre e se esconde atrás das pernas torneadas da rua da lama, que também chora seus fantasmas.

    E mais um discurso infame, vomitam as desculpas ensaiadas, cagam em suas cabeças como os pombos da praça, aceitam, só não viram as faces para cimas de bocas abertas, aí seria demais, não é mesmo? Todos violados, todos depredados, todos anestesiados.

    Enquanto isso, ela sorri para ele que responde com outro sorriso, dançam juntos a valsa do sofrimento sem fim, finalmente algo para amenizar o frio, as dores e as mazelas.

    Sejamos felizes na dança dos tempos!

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    As grades da Prisão

     

    Chorei até adormecer e amanheci com a cabeça explodindo, analgésicos não resolvem, então tomei dois risperdal para entorpecer minha dor e angústia de me sentir perdido. Não era pra ser assim, se quer tinha pensado nisso. Naquela noite, eu passava pelas ruas escuras, caminhava taciturno e anestesiado pela dor que sentia no peito. Quando de uma viela mais escura ainda, ouvi uma voz atormentada gritando: _ você está morto! Ora, como alguém se atreveria a me proferir tamanha ameaça sem sentido? Por fim, a voz gritou mais uma vez, mais outra até totalizarem três, então eu me embrenhei na escuridão tortuosa em busca de seu dono. Fui caminhando dentro do breu, a cada passo o caminho se tornava aterrorizante.

    Quando eu olhei em frente, vi algo se movendo, não dava para saber o que era, mas imaginei ser ele e fui em sua direção, a medida em que ia me aproximando, sua imagem ia ficando mais lúcida.

    Era um rosto assustador, um monstro, com a face em cores sombrias e um rosto desproporcionalmente maior que o dorso, assim como todo ele. Um monstro, certamente. Então ele se posicionou em minha frente, não se sentia intimidado, ao contrário, tentava me intimidar e se aproximava de mim, até chegar tão perto que eu conseguia sentir seu hálito no meu rosto.

    Ele me disse que eu estava morto, que sim, eu era o fracasso em pessoa, que eu era uma pessoa desprezível demais para andar por aí.

    _você não me conhece, grite com a voz um tanto tremula.

    _pois sim, disse ele, conheço-o muito bem, sei que sangra toda noite, que grita com os seus monstros, sei que sofre toda vez que seus pés tocam o chão, sei também que o ar ao entrar em suas vias aéreas faz arder suas narinas e pulmões. Sei muito, sei tudo.

    Não poderia crer no que ouvia e ele continuou dizendo que me observava, que me acompanhava e que seria ele minha ruína.

    Tomei-me de imensa fúria quando me olhou e me disse que eu não passava de um covarde inerte, nesse momento minha vista escureceu e apanhei o punhal que trazia em minha bota, comecei a empunhá-lo, sentia a lâmina afiada rasgando sua carne, sentia o sangue quente espirrar em meu rosto e escorrer entre meus dedos, não sei ao certo quantas vezes proferi o mesmo golpe, ele continuava rindo de mim, com aquela cara assustadora.

    Eu continuava sem parar, até que a escuridão começou a ceder, um raio de luz que aumentava e o dia, enfim, começou a surgir.

    Foi quando alguém me pegou e me trouxe para esse buraco, sem se quer me dar ao direito de defesa, estou preso e não sei ao certo por quanto tempo.

    _estou aqui, disse uma voz conhecida. Procurei em todos os lugares desse cubículo e não encontrei, a voz continua a falar...

    Olhei de repente o espelho a minha frente, vi ele, mas como poderia? Ele está morto e eu preso.

    _não, ele respondeu, você está morto e preso!

    Nesse momento vi a cena daquele dia passar, mas eu os via de longe, ele e eu.

    Eu e ele, o monstro que matei naquela noite era eu, eu estou morto e ao meu lado vi uma bandeira em pedaços, uma das partes chorava de dor, com as mãos na barriga da fome, outra ainda lamentava um filho morte, a outra chorava seus cacos de tudo.

    Eu estava morto, inerte e covarde, tudo em volta era lamento e dor, era sangue e dessa vez, não estava quente. Eu morri e não me dei conta de que me matei por subserviência. Estamos todos mortos.

  • O silencio que ninguém ouviu

     

    Nessa manhã, acordei com um imenso pássaro em minha janela, tão grande quanto estranho, nessa manhã, acordei com uma incerteza segura em meus passos, certeza essa que me fez amargor, certeza essa que me fez em cacos.

    Cacos pequenos, conhecidos e por vezes lamentados.

    É a vida acontecendo e fragmentando a existência dia após dia, então arquivei a memória que narra o sentir, aquela que martela a insensatez mundana e te leva ao chão.

    De costas, andando no sentido oposto, como sempre foi e jamais será. De costas e sem olhar pra trás, ao fim, mais uma vez, a última vez.

    Nessa manhã quando o pássaro estava lá, quando abriu suas asas e se pôs a voar, nessa mesma onde o sonho começou a morrer e morreu lentamente no decorrer do dia e não, talvez.

    Ficarei com os cacos, mas não recolherei as migalhas, não a mim, não as migalhas.

    Voando ao longe se vai, sem rumo certo, só vai. Sem rumo ao menos para mim.

    Continuou o caminhar cabisbaixo, calado, solitário. Deixou o vão da solidão aos que se compreendem, deixou um abismo imenso no meio, separando o que o acaso não apresentou.

    Mas gritou no silencio, aquele que ninguém é capaz de ouvir, deixou as lágrimas rolarem na escuridão e fez gélido o seu peito, tormento.

     

  • As frases ditas pela metade, são frases não ditas. As revoluções ambíguas são revoluções fracas, o silêncio mal feito, é escândalo maldito.

    Ficar “em cima do muro” é escolher o lado mais forte. As decisões ambíguas são decisões rasas. Os meios olhares, não são olhares. Os amores frios, não são amores.

    Há monstros em baixo da cama, há fantasmas no meu telhado. Não os temo, temo apenas os demônios que moram em mim, temo quando calo, quando baixo a cabeça diante ao morno, temo quando caio, quando não posso levantar.

    Monstros desses que um dia inventaram para “proteger” as crianças, sim, cresci, mas eles ainda me assustam, como com a irá daquele que proclamaram cuidado e dele se teme, como o medo de me perder de mim ou a raiz do tempo, que nos amarrou, não solta, mas não enlaça.

    Os mortos que caminham e fazem barulhos, na noite escura e fria, barulhos que ecoam dentro do meu travesseiro e não me deixam dormir.

    Eu preciso dormir, eu preciso te encontrar. O tormento chora dos céus, clamam por um paliativo, pois a cura está distante dos olhos pérfidos da humanidade contente. Que canta e danças os gloriosos alvoreceres, natureza ingrata gritam com emoção.

    Abstrato, confuso, sem nexo, léxico, conteúdo? A narrativa infame dos que sentem dor, dos que cujo a voz foi arrancada sem piedade. Eu não sei falar, não sei escrever, mas sinto.

    Sei que palavras soltas voam com o vento, sem que dizer e não sentir é morrer, sei que a nuvem que está aqui, vai passar por você em algum momento e talvez você não a veja.

    Olhei para de baixo da cama e me vi, o monstro sou eu, o monstro que você criou e os fantasmas no telhado somos nós, os fantasmas dos sonhos que deixamos morrer.

    Faz parte da luta que não impendemos, das risadas que não rimos, dos beijos que ficaram guardados, de toda a podridão devastadora que há, mas não podemos.

    Não podemos manchar, não com esse mundo, não com essa vida, não podemos queimar a que nos deveria tornar, o que não somos. Não cantar de boca aberta o hino da deflagada pobreza que existe em nós.

    Não murmuraremos a esmo, gritaremos o mais alto possível, para atingir o que antes era inatingível e aí sim, morreremos nós, mas morreremos juntos, assim como hoje estamos.

    Ambiguidade, tudo o que é ambíguo é fraco, é raso, é nada.

    Em cima do muro ficam os tolos, os fracos. O meu lado, é o que estou com você, contra os mortos, os moribundos, os canalhas, os viciados e fanáticos, contra o mundo.

     

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